terça-feira, 4 de maio de 2010

Portugal Não Escapa à Crise da Indústria Discográfica

Mais uma apreensão, na sexta-feira passada, de discos piratas, desta vez em Lisboa, veio sublinhar a situação crítica que a indústria discográfica atravessa actualmente. Os seus principais responsáveis estão preocupados com este recrudescimento da pirataria, mas não escondem que o verdadeiro problema reside na chegada ao fim do ciclo de vida do CD. Entretanto, no segundo trimestre deste ano, as editoras portuguesas venderam menos 150 mil fonogramas relativamente a idêntico período do ano passado. No dia em que se assinala o Dia Mundial da Música, o PÚBLICO passa em revista os principais sintomas da crise da indústria discográfica em Portugal.

Depois de vários anos a crescer a um ritmo muito acima da média europeia, a indústria discográfica portuguesa começa a manifestar os primeiros sinais sérios de crise. Distribuidores, retalhistas e produtores fonográficos atravessam hoje uma situação sem precedentes, depois de, na década de noventa, o mercado português ter crescido a uma taxa média de dois dígitos.

A conjugação de vários acontecimentos terá levado a uma situação muito crítica, sobretudo para um mercado pequeno e frágil como o português, bem afastado dos centros onde se tomam as decisões verdadeiramente relevantes para a indústria fonográfica. O surgimento dos suportes digitais (CD, MiniDisc, MP3...) terá alterado significativamente os dados do problema, ao permitir cópias (quase) iguais aos originais. Cerca de 16 anos depois da introdução do disco compacto, qualquer agente da indústria discográfica gostaria, nos dias que correm, de ver resolvida a premente questão do suporte que irá suceder ao disco compacto.

A CRISE

Os dados recentemente publicados pela Associação Fonográfica Portuguesa dão sinais óbvios de que a crise se instalou também em Portugal

Se, nos mercados mais desenvolvidos, os efeitos de alguma massificação do MP3, mas sobretudo dos CD graváveis, já tinham deixado marcas, só este ano o mercado português começou a sentir seriamente os efeitos de uma nova pirataria, e os dados recentemente publicados pela Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) dão sinais óbvios de que a crise se instalou também em Portugal. No segundo trimestre deste ano, as editoras portuguesas venderam menos 150 mil fonogramas relativamente a idêntico período do ano passado - valores que, ainda assim, se encontram sobrestimados, escondendo a verdadeira dimensão da recessão que se instalou na indústria discográfica.

Daniel de Sousa, principal responsável da multinacional Warner Music em Portugal, salienta existirem dois acontecimentos essenciais para compreender os valores recentemente publicados: "O grupo de empresas Modelo/Continente representa quase 50 por cento das nossas vendas e todos os anos promove uma Feira da Música, para a qual compra uma quantidade apreciável de discos. Este ano, a Feira da Música do Modelo/Continente aconteceu no primeiro semestre, pelo que, se retirássemos essas vendas das estatísticas, a redução de vendas seria bem maior". Por outro lado, acrescenta Daniel de Sousa, "este ano os lançamentos foram muito fortes, o que fez com que pareça que o mercado cresceu. A realidade é que o mercado está a encolher. Já sabemos um pouco mais sobre as vendas dos últimos meses e a verdade é que o mercado andou para trás em Julho e Agosto. E vai continuar a andar para trás até ao fim do ano."

A NOVA PIRATARIA

Ao contrário do que acontecia com as cassetes, a difusão dos CD piratas é tão grande que é impossível às autoridades competentes controlá-la.

As causas desta inversão no crescimento dos mercados discográficos estão bem identificadas. O advento do digital permitiu, antes de mais nada, que a qualidade das cópias as aproximasse bastante dos originais, pelo que a pirataria conhece desde há três anos para cá um novo surto, só comparável ao dos anos de ouro da cassete pirata. Apesar de formatos digitais como os ficheiros MP3 serem bastante mediatizados, a preocupação dos responsáveis da indústria discográfica centra-se sobretudo nos CD-R - discos compactos virgens que permitem a gravação de discos pré-gravados.

Eduardo Simões, secretário-geral da AFP, confirma que a nova pirataria já está instalada e a operar em Portugal. Apesar de não existirem estatísticas que permitam tirar conclusões sobre a venda de CD virgens em Portugal - ou sequer sobre a penetração de gravadores de CD -, os seus efeitos na facturação das editoras portuguesas são notórios e estão, de alguma forma, localizados: "Estão a florescer inúmeros pequenos negócios ao nível dos pátios das escolas, onde se vendem CD a 500 escudos ou a mil escudos. Há também indícios de uma outra pirataria, bastante mais organizada, inclusivamente por etnias, que vende CD piratas. Sabemos que há grupos de ciganos que estão metidos na pirataria, tal como antes existiu um grupo de emigrantes oriundos do Bangladesh envolvido nesse tipo de acção, o que não deixa de ser preocupante, no sentido de existirem negócios organizados no ramo da propriedade intelectual." Estas contrafacções, adianta o responsável "têm um nível de profissionalização ainda embrionário, mas também já vi livretos completos impressos em papel 'couché'. Porém, o que aparece mais são cópias de fraquíssima qualidade gráfica. Em termos de som, também há disparidades que diminuem a qualidade do audio."

Ao contrário do que acontecia com as cassetes piratas, a disseminação e pulverização dos "fabricantes" de CD piratas é tão grande que se torna praticamente impossível às autoridades competentes controlar a difusão desta forma de pirataria. As apreensões efectuadas são sempre uma gota num imenso oceano, mesmo que não esteja a ser contabilizada a chamada "cópia privada".

UM NOVO SUPORTE

Ainda não há o sucessor para o CD que a indústria precisa. O futuro é a assinatura por cabo?

Uma perspectiva mais geral permitirá, todavia, perceber que a indústria fonográfica se encontra perante um dilema. Depois do advento do digital, uma autêntica caixa de Pandora que permitiu vender as mesmas obras em suporte CD, os seus responsáveis vêem-se agora perante surtos de pirataria que ameaçam colocar um ponto final no ciclo de vida do CD.

O mais grave para a indústria fonográfica é ainda não ter encontrado uma forma legítima e eficaz que suceda ao disco compacto, apesar das maiores editoras do mundo estarem a preparar serviços de distribuição digital de música como os já anunciados "Musicnet" e "Pressplay". Se, de início, a introdução do CD levou a que os melómanos "traduzissem" as suas discotecas de vinilo para CD - fazendo com que a indústria vendesse as mesmas obras e crescesse seriamente -, nos últimos anos tem sido muito evidente uma recessão que ameaça alastrar.

Os primeiros sintomas foram detectados nos mercados mais maduros, em que a penetração de leitores de discos compactos é maior, como os Estados Unidos da América. No ano passado, as vendas de fonogramas decresceram 1,7 por cento em valor e caíram 4,7 por cento em quantidade no país de Madonna e Bruce Springsteen. Como se constata pela análise dos dados fornecidos pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a queda na facturação só não foi maior devido a uma subida do preço médio a que são vendidos os fonogramas. A indústria encontra-se então diante de um pau de dois bicos: se aumenta o preço dos CD, cresce a pirataria; se baixa o preço dos CD, perde irremediavelmente em facturação.

A solução mais óbvia, mas que ainda assim não se prevê concretizável num futuro imediato, seria a opção pela distribuição digital. Porém, os dois serviços que as cinco multinacionais do disco estão a tentar levar por diante, o "Musicnet" e o "Pressplay", estão a encontrar vários obstáculos que impedem a sua massificação. Uma das maiores barreiras à implementação desses serviços será mesmo a pouca vontade dos consumidores para pagar música distribuída digitalmente, numa altura em que ainda subsistem, apesar da compra do serviço Napster por parte da multinacional BMG, uma miríade de sítios na Internet que disponibilizam música à borla, contornando os direitos devidos pela propriedade intelectual.

O RETALHO

As cadeias de lojas portuguesas com alguma dimensão, como a Valentim de Carvalho, a Strauss ou a Loja da Música, estão a atravessar uma fase muito complicada

Outro dos ramos do negócio do disco seriamente afectado pela difusão dos CD graváveis foi o retalho. Depois de, nos últimos anos, se ter assistido à abertura de várias megalojas em Lisboa e no Porto e a uma expansão generalizada das principais cadeias de lojas portuguesas, a situação inverteu-se dramaticamente. Da euforia à depressão foi um pequeno passo, sobretudo quando o retalho especializado português se deparou com a concorrência dos hipermercados e de grandes cadeias como a Fnac.

Se a experiência da Virgin foi mal sucedida - como prova o encerramento da sua megaloja nos Restauradores, em Lisboa -, a francesa Fnac conseguiu implantar-se no mercado português, superando as melhores expectativas dos seus responsáveis. As cadeias de lojas portuguesas com alguma dimensão, como a Valentim de Carvalho, a Strauss ou a Loja da Música, estão a atravessar neste momento uma fase difícil, devido à forte concorrência imposta pelos hipermercados, que seguem uma postura onde o disco é utilizado não para ganhar dinheiro, mas para atrair clientes. A loja que vive de vender discos não se pode dar a esse luxo: ou tem margem na venda dos discos ou morre. O retalho especializado, ao tentar aproximar os preços daqueles praticados nos hipermercados, começou a perder dinheiro. Algumas cadeias de lojas, segundo nos confirmou Daniel de Sousa, deixaram mesmo de pagar às editoras, pelo que esses fornecimentos foram simplesmente cortados.

A situação difícil por que passavam algumas lojas das cadeias Valentim de Carvalho e Discoteca Roma obrigou mesmo ao seu encerramento. No caso da Valentim de Carvalho, que também dispõe de uma marca de discos, a Norte Sul, tem-se assistido nos últimos tempos à debandada dos seus artistas e mesmo de alguns funcionários, pelo que a probabilidade de desactivação daquele selo parece ser eminente.

Ou seja, a crise está a levar a um redimensionamento do mercado retalhista que não espera uma reanimação nos próximos tempos. A própria Fnac, nas palavras de Rui Borges, gestor de produto, não irá continuar a sua política expansionista que, nos últimos três anos, a levou a uma bem sucedida implantação em Portugal: "A crise afecta toda a gente e o desaparecimento da concorrência também não nos ajuda a superar essa falta de mercado. As pessoas começam mesmo a desabituar-se de comprar discos. Nada disso ajuda ao crescimento e desenvolvimento do mercado. O conceito Fnac teve um grande êxito em Portugal, devido à maneira como a música e a cultura foram mostradas ao público. Porém, o nosso grande objectivo neste momento é consolidar as lojas que já existem. Queremos fazer mais e melhor, nomeadamente no que diz respeito ao atendimento. Queremos torná-lo o mais personalizado possível. Esta não é uma altura de expansão mas sim de consolidação, e só então poderemos encarar novos desafios".

UMA QUESTÃO ESTRATÉGICA

Portugal é um dos dez mercados do mundo que menos reportório nacional vende, o que aponta para uma cada vez maior dependência do estrangeiro. Algumas multinacionais podem vir a abandonar os seus escritórios em Lisboa

A crise que afecta o retalho especializado português preocupa, igualmente, as editoras instaladas em Portugal, mais que não seja por razões estratégicas. As empresas multinacionais ocupam cerca de 70 por cento do mercado, sendo a facturação relativa ao reportório nacional, no primeiro semestre deste ano, não mais do que 13 por cento. Este valor é o mais baixo de sempre, pelo que é muito claro o desinvestimento, principalmente das editoras multinacionais, nos artistas portugueses.

O risco e o custo de uma produção nacional não é compatível com a situação crítica do mercado, que assim prefere apostar em produções importadas. Se o mercado não absorve música portuguesa, a sua dependência face ao exterior é bastante maior. A época dos supercampeões de vendas como Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa, Delfins e Rui Veloso parece pertencer a um passado distante, sendo Portugal um dos dez mercados do mundo que menos reportório nacional vende, segundo estatísticas da revista especializada "MBI".

A responsabilidade por esta queda da popularidade da música portuguesa é, geralmente, atribuída aos media, muito especialmente à rádio, frequentemente acusada de desprezar a música nacional. O fenómeno recente das rádios formatadas e o não tão recente das "playlists" veio sublinhar essa situação que, de alguma forma, deixa de lado a música portuguesa. As editoras sentiram um risco enorme na aposta em música portuguesa e, simplesmente, desinvestiram.

A controvérsia entre editoras e estações de rádio não é portuguesa nem é de hoje. Mas não deixa de ser nítido o desinteresse das rádios portuguesas relativamente ao reportório nacional. Segundo a tabela de "airplay" produzida semanalmente pela Music Control, onde se encontram os 100 temas que mais vezes foram tocados pelas rádios portuguesas, na primeira semana de Setembro não há nenhuma canção portuguesa entre os dez temas mais cotados. O primeiro artista português a surgir na tabela são os Xutos & Pontapés, com a canção "Fim do Mês", em 15º lugar. Os portugueses que se seguem são os Anjos (34º lugar), Jorge Palma (54º), GNR (87º) e Quinta do Bill (89º), todos eles artistas com carreiras cimentadas ao longo de muitos anos. Ao desinteresse por artistas nacionais junta-se a não aposta em novos nomes, como é visível numa tabela cheia de artistas "consagrados" e liderada pelos U2.

A situação levou mesmo a alguma pressão por parte da AFP junto da Antena 3, estação de rádio pertencente à empresa pública Rádio Difusão Portuguesa (RDP), no sentido de ser alterado este estado de coisas. A Antena 3 irá apresentar uma nova grelha de programação durante o próximo mês de Outubro, onde estão consagradas várias alterações que vão de encontro aos desejos dos editores portugueses. Um situação que, no entanto, terá de ser confirmada pela nova direcção, uma vez que a nova grelha foi planeada por Jorge Alexandre Lopes, recentemente substituído por Luís Montez.

MIGUEL FRANCISCO CADETE, Público, 01/10/2001

Crise! Quanta Crise!

Os sinais de crise começaram a ser óbvios nos últimos tempos quando, nos Estados Unidos - que representam 38 por cento da venda de discos a nível mundial -, os resultados da venda de discos compactos se mostraram confrangedores

A crise da indústria fonográfica começou a fazer-se sentir nos mercados mais desenvolvidos quando, há cerca de dois anos, o crescimento do número de fonogramas vendidos se aproximou perigosamente do zero. Nos Estados Unidos da América, no ano 2000, venderam-se menos 5 por cento de cópias do que no ano anterior, enquanto na Alemanha e França as perdas ainda não ultrapassam 1,2 por cento, segundo os mais recentes dados fornecidos pelo Federação Internacional da Indústria Fonográfica.

Em Portugal, a situação foi diversa até há bem pouco tempo. Não só porque o CD chegou cá com o atraso habitual, mas também porque uma certa euforia do mercado, patente, por exemplo, na abertura de megalojas, fez com que nos anos 90 as taxas de crescimento fossem habitualmente superiores a 10 por cento. Nos últimos cinco anos da década passada, o mercado fonográfico português dobrou a sua facturação.

Porém, os sinais de crise começaram a ser óbvios nos últimos tempos quando, nos Estados Unidos - que representam 38 por cento da venda de discos a nível mundial -, os resultados da venda de discos compactos se mostraram confrangedores. O ciclo de vida do disco compacto, tudo o indica, aproxima-se do fim, como aliás o surto de nova pirataria em CD-R assinala gritantemente. Contudo, o mais preocupante é ainda não terem sido encontradas soluções que venham fazer face ao desaparecimento do CD - ainda o formato preferencial da venda de discos -, de modo a que a indústria fonográfica possa voltar a investir em novos artistas. Se a distribuição digital e, de uma forma geral, a nova economia pareciam ser a panaceia para esses problemas, as quedas sucessivas do indíce Nasdaq desde o final do ano passado vieram esmorecer a indústria, agora órfã de um suporte que lhe permita relançar a sua actividade.

O caso português, ou da indústria fonográfica portuguesa, não é obviamente para aqui chamado. A pequenez e a dependência do mercado face ao exterior impede qualquer veleidade na definição daquilo que irão ser os novos suportes para a música. No entanto, não deixa de ser preocupante que, a par da queda da facturação total, comecem também a derrapar os índices de venda de reportório nacional, que certamente implicam uma ainda maior dependência do exterior.

O desinvestimento em música portuguesa é notório em algumas editoras multinacionais como a BMG que, no primeiro semestre deste ano, viu a sua quota de reportório nacional descer até 0,91 por cento. A ameaça de abandono dos artistas locais por parte das multinacionais parece voltar a pairar, sabendo-se também que a Warner Music fechou o seu catálogo nacional logo depois de uma experiência frustrada com o grupo Ritual Tejo. E, no caso das multinacionais só dependerem de catálogos estrangeiros, serão poucas as razões que justifiquem a permanência dos seus escritórios em Lisboa. A não serem políticas. União Europeia oblige.

MIGUEL FRANCISCO CADETE, Público, 01/10/2001

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